O caso Akim Aliu e as consequências na NHL
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Em 2019, o mundo do hockey se surpreendeu após Akim Aliu alegar que Bill Peters, na época técnico do Calgary Flames, desrespeitou Aliu referindo a ele por injúrias raciais. O caso aconteceu quando os dois estavam no Rockford IceHogs, da AHL. Ao invés de ser amparado na época, Aliu foi silenciado pela liga e nunca mais teve uma chance na NHL após tal incidente. Peters se demitiu do Calgary Flames quatro dias após as alegações no ano passado.
O hockey, por ser um esporte extremamente tradicional, carrega alguns valores que são inadequados nos dias de hoje. Valores estes que usualmente se confundem com virtudes, como por exemplo, o sexismo e o racismo. Contudo, tais valores vão se modificando com o passar dos anos, e eles são apenas reflexos da sociedade atual.
Neste texto, relembramos os acontecimentos de 2019 e propomos uma reflexão sobre as poucas mudanças que ocorreram após um ano desde as denúncias.
A história de Akim Aliu
Akim Aliu é filho de pai nigeriano, Tai, e mãe Ucraniana, Larissa. Quando Aliu tinha 7 anos, a família se mudou para o Canadá. Considerado muito talentoso no gelo, Aliu começou a jogar pelo Windsor Spitfires na OHL. Contudo, a carreira dele seria marcada por incidentes disciplinares, mais tarde revelados pelo próprio como acontecimentos ligados a sua cor e etnia.
Na temporada de 2005-06 da OHL, a primeira de Aliu, ele se envolveu em uma briga com Steve Downie. Downie fez um cross-check no rosto do jogador, o que fez com que ele perdesse alguns dentes. Em seu texto para o Players Tribune “Hockey is Not For Everyone”, Aliu disse que Downie fez isso pois Akim é negro, “Ele olhou para mim e viu um menino negro com um sotaque estranho – e não gostou de mim por causa disso. Fui atacado por causa da cor da minha pele. Eu sabia na época. E eu sei disso ainda mais agora.”
Por conta desse incidente, Aliu solicitou uma troca e foi para o Sudbury Wolves. Ele foi ranqueado como o 5° melhor prospect de 2007, no entanto, foi escolhido pelo Chicago Blackhawks no segundo round em 57° lugar, muito por conta dos incidentes em gelo oriundos de um jovem que se rebelou contra um sistema racista.
Por fim, a carreira profissional do canadense foi marcada pela passagem em diversos times, tanto na NHL quanto na AHL. Em 2012, ele assinou pelo Calgary Flames, mas a última equipe em que ele jogou foi HC Litvínov, da principal liga Tcheca.
Os precendentes: demissões de Don Cherry e Mike Babcock
O famoso comentarista de hockey Don Cherry foi demitido quase um ano atrás, no dia 9 de novembro de 2019. Cherry é uma das figuras mais icônicas e polêmicas do hockey no Canadá, protagonista de falas preconceituosas e controversas. Durante o Coach’s Corner, famoso programa de análise de hockey, Cherry fez comentários que sugeriam que os imigrantes canadenses se beneficiam dos sacrifícios de veteranos e não usavam a remembrance poppy (flor de papoula que demonstra respeito às pessoas que serviram pelo seu país). Assim, reproduzimos aqui as polêmicas palavras do comentarista:
“Vocês que vêm aqui … vocês amam nosso estilo de vida, vocês amam nosso leite e mel, pelo menos vocês podem pagar alguns dólares por uma poppy ou algo assim … Esses caras pagaram por sua viagem, da vida que você gosta no Canadá, esses caras pagaram o preço mais alto.”
Esse comentário foi um basta nas falas intolerantes de Don Cherry. Após muitas críticas ao redor da comunidade do hockey, a Sportsnet o demitiu dois dias depois. Contudo, essa ação só foi o começo de uma sequência de fatos que essa demissão acarretaria para a NHL e o hockey.
No dia 20 de novembro, o Toronto Maple Leafs demitiu o então técnico da equipe Mike Babcock, inicialmente pela performance a desejar que o time canadense apresentava no gelo. Alguns dias depois, ressurgiu uma narrativa de que Babcock havia mandado um rookie dos Leafs, até então sem nome divulgado, fizesse uma lista sobre quem não se esforçava na equipe. Esse calouro era ninguém menos que Mitch Marner, um dos principais jogadores da equipe.
Contudo, o caso se agravou quando revelaram que Babcock foi além de solicitar a controversa tarefa: ele havia mostrado essa lista para os companheiros de equipe do então novato Marner. Posteriormente, o right winger disse que por conta do apoio de seus companheiros, não houve nenhum sentimento de rancor entre eles.
Tal demissão e o fato publicado em seguida que abriu as portas para o caso de Peters e Aliu.
Bill Peters e a injúria racial contra Akim Aliu
No dia 25 de novembro, Akim Aliu postou em seu perfil do Twitter que Bill Peters em diversas ocasiões referiu-se a ele por diversas expressões racistas em inglês. Após Aliu se rebelar, novamente sem apoio dos colegas ou do seu time, ele foi mandado para o time afiliado.
Aliu disse que teve uma situação que aconteceu de manhã, após um treino, quando ele estava comandando o som do vestiário.
“Akim, estou cansado de você colocar esse som de “n-word” teriam sido suas exatas palavras. Peters, na época treinador do IceHogs, referia-se à seleção de música hip-hop de Aliu.
“Ele então saiu como se nada tivesse acontecido. (No vestiário) ficou um silêncio mortal. Eu apenas sentei na minha cabine, não disse uma palavra” lembrou Aliu sobre o ocorrido.
Dois colegas de time na época confirmaram que o evento aconteceu. O então capitão da equipe do IceHogs, Jake Dowell, confrontou Peters sobre o incidente no escritório do treinador. Dowell não quis comentar, na época, sobre o ocorrido. Mas disse que cooperaria em qualquer investigação conduzida pela NHL ou pelo Flames.
Aliu ainda disse que Peters o chamou para seu escritório, todavia, não para se desculpar. “Sabe, estou farto dessa música de merda de “n-word”. É todo dia. De agora em diante, precisamos tocar músicas diferentes.”
Muitos se questionaram sobre a demora de Akim para falar sobre este assunto, que ao longo dos anos se tornou cada vez mais importante. Aliu citou o exemplo de Colin Kaepernick, que não teve outra chance de atuar na NFL quando virou free agent após ter se ajoelhado em 2016 em protesto contra a brutalidade policial contra negros nos Estados Unidos.
Aliu disse que se arrepende de não ter confrontado Peters naquela época. Ele ainda afirmou que sua carreira terminou antes mesmo de começar e que perdoaria Peters se ele tivesse se desculpado na reunião.
“Não há muito que você possa fazer ou me dizer que eu não possa aceitar um pedido de desculpas,” disse Aliu. “Mas ele não era homem o suficiente para se desculpar comigo e seguir em frente.”
As consequências na NHL
Bill Peters assinou a carta de demissão e foi dispensado após um breve período de investigação sobre o caso. Além disso, ele fez um pedido de desculpas para o GM, Treviling, e não para Aliu, no qual admitiu ter feito tais comentários.
Na época do ocorrido, escrevemos sobre a declaração de Gary Bettman, onde ele se mostrou disposto a ter um ambiente mais aberto à ocorridos como esse. Entre algumas iniciativas, havia a de uma plataforma de comunicação sobre esses problemas, uma política de tolerância zero e um programa anual de inclusão e conscientização.
Todos sabemos que a pandemia de COVID-19 veio para acabar com muitas expectativas para a temporada de 2020. Apesar da Stanley Cup ter acontecido, a temporada foi suspensa em março, sem muitas mudanças sociais e sobre diversidade como esperando.
Entretanto, 2020 foi um ano importante para os grupos sociais marginalizados dos Estados Unidos. Afinal, o movimento Black Lives Matter, após George Floyd, um homem negro, ter sido morto afixiado por um policial branco, causou comoção em várias cidades do país e do mundo colocando em foco a questão racial e a violência policial.
Contudo, quando esse fato aconteceu, a NHL foi a última das quatro grandes ligas americanas (NBA, NFL, MLB e NHL) a reconhecer o ocorrido. Além disso, como o campeonato estava na fase de playoffs, a liga só parou os jogos por conta de uma demanda dos jogadores que viram a importância da apoio das ligas esportivas a esse movimento.
Após isso ter acontecido, Akim Aliu, em conjunto com Evander Kane, criaram a Hockey Diversity Alliance. Primeiramente, a HDA estava unida com a NHL. Essa organização trouxe diversas demandas de inclusão e antirracismo. Porém, foi anunciando que eles se desligariam da liga, já que a mesma falhou em cumprir com as ações demandadas.
As mudanças ainda não se concretizaram. No entanto, com a temporada suspensa, não haveria como elas ocorrerem. Ainda com algumas incertezas no calendário, é esperado que as práticas de conscientização e diversidade na NHL sejam feitas durante os próximos anos.