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(Texto com co-autoria de Marina Garcez)
O NHeLas conversou com Igor Larionov II sobre sua trajetória no esporte, sua presença nas redes e muito mais. Além desta entrevista, você também pode assistir ao vídeo dele respondendo perguntas do Twitter aqui. Confira também ele fazendo um quiz em nosso site aqui.
(Esta entrevista foi editada para fins de brevidade e clareza. Parte 1 | Parte 2)
Você tem alguma lembrança da Stanley Cup de 2002?
Sim, na verdade eu tenho uma lembrança ótima. Eu me lembro quando eles ganharam, minha mãe me levou até o gelo e ela me pôs nos braços do meu pai e ele ficou me segurando. Eu tinha talvez três, quatro anos. Eu lembro que era tão, tão barulhento. Muitas pessoas, muitas luzes, confete por toda parte. E eu era essa criancinha que estava apavorada, eu só queria ir para casa naquele momento. Você consegue até ver na foto da Stanley Cup em que meu pai está me segurando, todo mundo está sorrindo e eu lá com a cara fechada pensando “onde está minha mamãe, eu quero ir para casa.” Isso é basicamente o que eu lembro daquela Stanley Cup. Mas olhando para trás, quão legal é que eu posso relembrar e me ver numa capa da Sports Illustrated com os Red Wings e a Stanley Cup? É uma daquelas coisas que você não dá muito valor quando é mais novo, mas sinceramente vendo agora, é tão legal que eu tive a chance de fazer aquilo. E poucas pessoas podem dizer que eles estiveram na capa de uma revista Sports Illustrated. Então para mim, essa é uma experiência bacana. Até hoje eu às vezes toco no assunto para me gabar um pouco. (risos) Mas é muito legal porque, olhando agora, era um time tão talentoso, os Red Wings de 2002. Eu acho que eles tinham uns 12 ou 13 Hall of Famers e eu estava literalmente no gelo com todos eles enquanto comemoravam uma taça, e isso é algo que milhões provavelmente já desejaram ter a oportunidade de fazer e eu fui sortudo o suficiente para estar lá. Então é algo super especial.
Ter esse tipo de coisa num álbum de família é realmente incrível.
Tem literalmente fotos minhas e do meu pai no gelo com a Stanley Cup em nossos álbuns de família. Eu, na verdade, tenho várias fotos. Quando eles venceram em 1998, meu pai pediu para o dia dele (com a taça) ser perto do final do verão porque eu ia nascer em torno de agosto, setembro. Então quando ele pegou a taça, eu tinha talvez duas semanas de vida. Tem fotos minhas dormindo dentro da Stanley Cup, fazendo todas essas coisas. E aí com a taça de 2002, tem fotos minhas comendo cereais de dentro da taça, e eu tomei banho com ela, fui na piscina com ela. Tem várias fotos muito, muito legais daquela época.
Você nasceu em um mundo em que seu pai já havia conquistado tanto, e se tornado uma superestrela do hockey. Como foi para você lidar com a pressão e inevitáveis comparações entre você e ele, não apenas no esporte mas também na mídia, tentando ganhar seu próprio reconhecimento enquanto literalmente carregava o nome dele ao mesmo tempo?
Não é tão fácil. Na minha infância, era algo que realmente me incomodava muitas vezes. Eu nunca sabia, naquela época, se alguém na escola queria ser meu amigo porque eles queriam passar tempo comigo ou porque queriam ingressos ou algo do tipo. Então isso sempre me deixou alerta, mesmo quando criança, sabendo que para confiar de fato em alguém, primeiro eu tinha que conhecê-los de verdade antes de deixá-los entrar em minha vida. Isso é algo que eu de certa forma ainda carrego comigo. Eu sempre tenho um resguardo quando conheço alguém porque não tenho certeza de quais são suas verdadeiras intenções. Enquanto que a maioria das crianças, quando conhecem alguém, começam a conversar na escola e automaticamente se tornam amigos. Mas para mim, era sempre “será que eles querem ser meus amigos ou querem ir em casa ver a Stanley Cup, ou o anel de campeão?” Então isso sempre foi um pouco estranho.
Aí, quando eu comecei a jogar hockey juvenil, muitas crianças me faziam de alvo por causa do meu sobrenome, eles jogavam um pouco mais sujo, um golpe baixo aqui ou ali. E sempre que eu jogava, tinha um público porque todo mundo estava assistindo ao “filho do cara no Hall da Fama.” Vamos imaginar que tem um torneio com quatro rinques e começam a espalhar que o filho de um Hall of Famer está jogando, eles vão todos assistir àquilo. Felizmente, enquanto eu crescia, eu era sempre um dos maiores pontuadores em um dos melhores times na América do Norte, então era legal e eu aproveitava que tinha alguns olhos a mais virados para mim. Mas quando eu jogava mal, realmente me afetava bastante e, ao longo dos anos, houveram muitas vezes, depois dos jogos, lágrimas na volta para casa porque eu sabia que muitas pessoas estavam me assistindo e eu as decepcionei. E era difícil lidar com aquilo, mas pensando onde estou agora, eu não vejo mais tanto essa pressão.
Porque se você pensar sobre isso, eu não acho que tenha alguém na história do hockey que ganhou ao todo mais troféus que meu pai ganhou. Ele é como o Dani Alves do hockey no quesito de quantos troféus ele ganhou. Então mesmo se eu fosse ganhar praticamente tudo, eu provavelmente ainda nunca seria capaz de chegar naquele nível, só pela quantidade de troféus que ele ganhou. E está tudo bem. Quer dizer, eu posso ter uma carreira fantástica, eu posso ganhar uma Stanley Cup, uma medalha de ouro nas Olimpíadas, e três Mundiais, e eu ainda não vou ter a carreira que ele teve, mas vencer todas essas coisas ainda é uma carreira tremenda, o que eu acho ótimo. Tem tantos caras que nunca ganham nada disso, mas ainda assim têm grandes carreiras. Quer dizer, obviamente, eu quero ganhar todas essas coisas e eu quero vencê-lo de certa forma. (risos) Mas sendo realista, eu não acho que ninguém nunca vai vencer tantos troféus quanto ele venceu ao longo de sua carreira. Três Stanley Cups, três medalhas olímpicas, cinco Mundiais, seis campeonatos europeus, uma Copa do Mundo, isso é absurdo. Como você tem tempo de ganhar tudo isso? Porque essa é a pergunta que nós deveríamos fazer.
Eu só sei que eu posso jogar do meu jeito e ter uma grande carreira sem nunca conquistar nada daquilo. Porque eu sei que se eu tiver uma grande carreira, e se eu realizar o que eu quero realizar, e jogar no nível que eu sei que consigo jogar, eu terei uma grande carreira, mesmo que eu não ganhe, sabe, 27 troféus ou algo parecido, o que é uma marca bem alta de se alcançar. Eu estou totalmente bem sendo quem eu sou e jogando no melhor das minhas habilidades e sabendo que se eu atingir o melhor do que eu sou capaz, eu vou ter uma carreira que muitos só podem sonhar em ter, então estou completamente satisfeito com isso.
Vocês chegam a falar sobre isso, seu pai e você?
A gente não fala muito sobre as conquistas dele versus qualquer coisa do tipo. Falamos principalmente dele dando dicas, conselhos, apoio, todas essas coisas. Foi até engraçado, a única vez que meio que nos comparamos foi que o primeiro jogo dele na liga russa e o meu primeiro jogo na liga russa foram ambos contra o Spartak Moscow. Então isso foi legal, porque acho que com 40 anos de diferença, o primeiro jogo dele foi contra o Spartak, 40 anos depois o meu primeiro jogo foi contra o Spartak. E eu acho que ele teve (um plus-minus de) -3 em seu primeiro jogo, e eu tive algo como +1, eu não marquei nenhum ponto. Então eu tive direito a me gabar ali porque a minha estreia foi melhor. Mas, no geral, (ele só me dá) dicas. Ele me ajuda, mostrando clipes, mandando capítulos de livros, artigos. Ele é um grande fã de futebol europeu então ele me manda vários artigos sobre diferentes jogadores, sobre sua formação, sobre como eles treinam, seu trabalho. Então eu leio muito isso, o que ele me manda, e principalmente é tão valioso quando nos encontramos e assistimos a um jogo na TV, e ele aponta “esse cara está fazendo isso; quando você pega o disco nessa situação, você pode usar o mesmo movimento, mas você também pode mudar um pouco.” Coisas desse tipo que, é incrível, na minha opinião, ter a oportunidade de falar com alguém assim e aprender enquanto vocês estão sentados no sofá e vendo um jogo de hockey. Eu acho que é uma experiência tão valiosa para mim e eu sempre aproveito quando temos a chance de fazer isso. (É) inacreditável poder sentar com uma das maiores lendas do mundo e só assistir a um jogo e literalmente tê-lo apontando tudo para você. Eu acho que isso é muito legal.
Qual sua memória favorita relacionada ao hockey?
Minha lembrança favorita de hockey é quando jogamos contra o SKA nessa última temporada. Era o meu ex-time, eu fiz parte do sistema deles, eles me desenvolveram um pouco e eu saí de lá. Daí eu assinei com o Kunlun e imediatamente sabia que eu queria jogar contra eles porque as coisas não deram muito certo como eu queria lá, a relação era meio difícil. Logo quando eu descobri que tinha um jogo contra eles em São Petersburgo, eu circulei a data no meu calendário. (O Kunlun) nunca tinha vencido o SKA antes e eu sabia que aquele seria o jogo em que íamos vencê-los. Eu me lembro que eles não tinham muitas restrições, então era praticamente uma plateia lotada, e nós acabamos vencendo por 2-1 e eu dei assistência ao gol da vitória. E aquela foi a experiência mais inacreditável. Foi um jogo tão divertido, e um jeito tão legal de acabar. E depois, nós fomos entrevistados para a TV local e foi uma experiência muito legal. Literalmente foi como quando você sonha fazer algo, como um sonho de jogar na NHL ou algo assim. E foi como uma experiência de NHL. Plateia cheia, arena grande, muita energia, grande jogo, bons jogadores, coletiva de imprensa pós-jogo. Tudo aquilo parecia tão real. De volta ao hotel, tinha um filé enorme te esperando no quarto. Tudo foi muito, muito real e inacreditável. É um daqueles sentimentos de que aquele dia é literalmente como você se sente todo dia na NHL. E depois de experimentar aquilo, é como um vício, você quer sentir mais e mais daquilo. É tão inacreditável. Eu só quero sentir aquilo de novo e de novo e de novo. Eu posso falar disso o dia inteiro. Especialmente (jogando) fora de casa, em que você faz um ponto, uma assistência ou um gol, e a torcida inteira começa a te vaiar, fica um silêncio e é a melhor sensação, eu acho.
Você uma vez publicou em um tweet que, quando criança, tinha medo do telão da arena cair em cima de seu pai. Quais outros medos irracionais ou coisas engraçadas você se lembra de ter naquela época, assistindo ao seu pai jogar quando você era criança?
Aquele era provavelmente um dos maiores (medos) porque eu vi aquela foto do telão que caiu em Buffalo e para mim era tipo, aquele é o trabalho do meu pai. É onde ele trabalha, é o escritório dele, sabe? E eu pensava “como ele vai conseguir jogar? Será que vai cair em cima dele?” Mas quanto a outros medos, eu realmente não tinha muitos. Na verdade, eu tive um medo. No meu primeiro jogo de hockey, eu não entrei no gelo. Eu não joguei porque fiquei com medo do árbitro. Eu tinha três anos e eu vi aquele homem (com o uniforme) listrado e fiquei apavorado, e eu não joguei aquele jogo. (risos) Eu falei para a minha mãe e meu pai “eu não vou jogar,” e eles me levaram para casa. Foi provavelmente uma coisa que aconteceu uma vez e nunca mais. Mas algo que era meio irracional, todos os companheiros de equipe do meu pai, que era essas superestrelas, do Hall da Fama, e para mim, eles eram só os amigos do meu pai. Eu não os via como superestrelas ou lendas ou nada do tipo. Eles eram só “o tio Stevie,” Steve Yzerman, ou Pavel Datsyuk, praticamente um primo ou algo assim. Pequenas coisas peculiares do gênero, em que a maioria das pessoas estaria se matando para conseguir um autógrafo, mas para mim, era só o amigo esquisito do meu pai que trabalha com ele e que sempre vinha visitar com uma cerveja, então era engraçado. Olhando para trás, é bem engraçado que aquelas pessoas eram só caras normais para mim, enquanto para outras muitas eles são ídolos ou seus heróis.
Agora que entramos no assunto da NHL, o quanto você acompanha a liga? Você tem um time favorito? E quanto a outros esportes?
No quesito hockey, eu não tenho um time favorito mesmo. Eu assisto aos jogos, não assisto a muitos. Eu gosto de ver clipes de jogadores, jogadores que eu quero emular e jogadores que cujos movimentos eu quero roubar um pouco. Eu assisto a muitos highlights dos melhores jogadores, vejo o que eles estão fazendo e no dia seguinte tento fazer aquilo no treino, de modo que eu possa praticar aquilo que os faz bem-sucedidos. Mas eu conheço tantas pessoas na NHL e tantos jogadores que é difícil torcer de fato para um time, mas eu acho que torço mais pelas pessoas do que qualquer coisa. Já em outros esportes, no futebol americano, eu sou um grande fã do Detroit Lions, sempre fui fã dos Lions. É duro, eu sou de Detroit, sabe, nós somos um time horrível, sempre perdemos. Mas todo ano, eu sempre vou a alguns jogos. Então eu sou bem fiel nesse sentido, sou um dos caras mais fieis que você vai conhecer em qualquer aspecto, mas eu nunca vou abandonar os Lions. Eu sou um torcedor do Manchester United desde que eu tinha dois anos. Tem uma foto minha vestindo o uniforme do Man United de quando, literalmente, eu acho que tinha um ano. Desde aquela idade, eu tinha um uniforme completo, o meu nome nas costas, número 8. Durante toda a minha vida, eu sempre tive um kit do Man United, sem exceção. No basquete, sempre fui fã do Boston Celtics porque um dos amigos do meu pai costumava trabalhar para o time e ele mandava camisas e bonés autografados para mim. Então, eu vendo aquilo quando criança, aquilo me surpreendeu e eu instantaneamente me tornei um torcedor dos Celtics. E em outros esportes, eu não sou um grande fã na verdade. A nível mundial, eu torço para a Rússia em torneios internacionais, como a Eurocopa e a Copa do Mundo. Ainda não superei o jeito que eles perderam para a Croácia nas quartas da última Copa. Eu torço para os EUA também na Copa do Mundo, mas claramente eles vêm tendo mais dificuldade. E com sorte eles vão virar a situação, eles têm muitos jogadores jovens e bons na Europa agora. Mas é, eu diria que Man United, Lions e Celtics são os meus três principais.
Quais são as três cidades em que você mais gostaria de jogar? E quais três você tem menos vontade?
Gostei, ótima pergunta. Top 3 provavelmente é mais um top 2. É intercambiável, em Nova York ou Los Angeles, uma dessas duas cidades. É meu sonho absoluto, provavelmente Nova York é número um porque é Nova York. Ser um atleta e bem-sucedido em Nova York abre tantas portas em diferentes indústrias, especialmente as que me interessam mais, então para mim isso é muito importante. E as três últimas seriam provavelmente Winnipeg, Calgary, Edmonton… E eu posso continuar, Ottawa… (risos) Não é a mesma coisa que Nova York ou Los Angeles. E eu sou um cara de cidade grande, eu gosto de jogar em Moscou por causa disso. Eu realmente acredito que eu jogo bem melhor em uma cidade grande, com um microscópio enorme nas minhas costas e com a oportunidade de fazer tudo pelo que eu sou apaixonado fora do gelo. Jogando em Calgary, você não consegue ir a um bar e conhecer um estilista ou diretor ou algo do tipo, sem ofensas ao povo de Calgary, só não é o polo onde essas coisas acontecem. Enquanto que em Nova York ou Los Angeles, depois de um jogo você pode conhecer alguém interessante e falar sobre fazer talvez uma colaboração ou qualquer coisa para o seu futuro. Para mim isso é realmente algo muito importante.
Se você pudesse criar um novo time para a NHL, onde ele ficaria?
Eu acho que um lugar legal para um time poderia ser Houston. Porque eu sei que eles têm um time da NFL, da NBA e da MLB. Acho que eles têm um bom grupo de fãs de esporte, talvez até um time da MLS também. Eles têm uma boa infraestrutura para esportes e torcedores, e boa parte dos times tem sido bem-sucedida nos últimos anos. Então acho que a NHL provavelmente se daria bem lá, já que eles já estão bem consolidados em Dallas. Dallas é competitivo o ano todo, e as pessoas gostam de jogar lá porque o clima é bom, você está no meio do país, então as viagens não são tão difíceis para qualquer lugar. Acredito que Houston seria um bom local para ter um time.
Falando em franquias de expansão, o que você acha do que Seattle tem feito até agora para lidar com diversidade e inclusão na gestão do hockey e também em sua comunidade, atacando certas questões mesmo antes de começarem a jogar?
Eu acho muito legal o que eles estão fazendo. Até li em algum lugar que eles estão construindo uma arena ecológica e de forma sustentável, o que é uma coisa que eu apoio muito. Eu realmente acredito na preservação do planeta porque essa é a nossa casa. Não importa o que aconteça, só existe uma Terra. Eu reconheço muito tudo o que eles estão fazendo a respeito disso. E, sinceramente, Seattle é um lugar muito legal. Sempre achei que Seattle fosse um pouco mais vanguardista que outras cidades, e é ótimo ver que eles estão dando o exemplo nessas questões. Não tenho dúvidas de que (o Seattle Kraken) será muito bem-sucedido porque, antes de tudo, é uma cidade incrível. Tem muita gente interessante lá. Tem um grupo grande de pessoas da informática que vivem lá, e normalmente pessoas desse setor são bem ecológicas, são progressivas para criar oportunidades e empregar outras pessoas, e eu acredito que eles vão ter muito, muito sucesso. Realmente espero que comecem a todo vapor, meio que como aconteceu com Vegas. Eu adoraria jogar lá, e, sabe, seria um prazer jogar na mesma cidade de onde o líder do Nirvana era.
1 Comment
O amIgor parece mesmo um cara bem legal, bom de conversar. A entrevista renderia o dobro disso facilmente. E como um cara novo no hockey, achei legal a relação dele com outros esportes e que ele é torcedor do Manchester United como eu.
Quero tomar uma vodka com ele!
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