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Saudade do que não vivemos

Crônica

Saudade do que não vivemos

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Saudade do que não vivemos

Maio de dois mil e vinte. Eu deveria estar surtando, tentando cobrir todos os jogos dos playoffs. Uma escala louca misturada com a tensão de ver meu time avançando fase por fase. A aposta que faço todo ano com minhas amigas e os planos que eu já tinha feito quando vencesse o bracket, acertando a final entre Vegas Golden Knights e Philadelphia Flyers. 

Talvez eu devesse ter sido menos ousada nesse palpite que fiz em meados de dezembro, quando ainda achávamos que 2020 seria “o nosso ano”. Ou talvez devêssemos culpar os Blues. Depois daquela Stanley Cup o mundo nunca mais foi o mesmo. 

A verdade é que todo e qualquer planejamento que fizemos não existe mais. O mundo é outro e precisamos rever nossa forma de trabalhar, criar e viver.

Mitch Marner deu uma entrevista para o The Score falando sobre a possível impovável volta da NHL e gostei do quanto ele foi sensato: “ se for para voltar, estarei pronto. Mas e se alguém adoecer? E se alguém morrer?”

Confesso que estou me perguntando a mesma coisa todos os dias, Marner.

Por mais que seja difícil ficar sem hockey, e que o tempo pareça não passar quando não temos nenhuma outra forma de nos distrair que não seja livros e Netflix, a hora é de ficar em paz. (Ou melhor, eu espero que vocês estejam se distraindo, porque além de não assistir a um jogo de hockey que não seja de 1980, eu também estou com saudades da Netflix. Mas isso é tema para outro texto).

Por causa disso, resolvi escrever esse texto, totalmente opinativo e baseado apenas nas vozes da minha cabeça, com alguns palpites do que poderiam ter sido esse playoffs.

(Se você está aqui procurando especulações reais e um possível bracket, veio ao lugar errado. Aqui, irei brevemente falar de alguns times improváveis e fatos interessantes que poderiam – ou não – acontecer. Mas prometo não insistir na minha final maravilhosa que seria Vegas x Flyers – e se de fato a temporada NHL for cancelada, podemos concordar que essa foi a Stanley Cup Final de 2020 e ninguém lembra que os Blues existem. Combinado?)

Primeiro Round

Chegamos aqui nos perguntando: como é mesmo um jogo de hockey? Saudades do barulho dos patins no gelo, de acordar de madrugada assustada com a chamada “HOCKEY FANS GEAR UP” na NHL.tv durante um Canucks x Sharks às 2 da manhã, e de “tretar” no twitter porque algum jogador que eu gosto se envolveu em uma briga com um “famosinho”. 

Aliás, no primeiro round nós com certeza iríamos nos envolver em briga. Ainda tem muito time jogando, alguns jogadores já nervosinhos e o sonho pelo Jogo 7 – e manter nossas apostas vivas – permanece. 

Será que Toronto sairia na primeira rodada de novo? Se é que eles chegariam aos playoffs esse ano, não é? (Perdão, torcedores dos Leafs, nada contra o time de vocês, mas como dizia aquele ditado brasileiro bem antigo: the zoeira never ends).

Ao invés de ficar pensando no “e se”, venho aqui sugerir algumas atividades para tomar o lugar do Primeiro Round dos playoffs: contar quantos ladrilhos tem na parede do seu banheiro (confesso que nunca contei o meu, mas por algum motivo que nunca entendi, lá tem uma letra T no meio dos ladrilhos coloridos randomizados); talvez seja interessante arrumar um pet, ou, se você tem um pet, tirar um tempo do seu dia para ficar com ele. Animais são ótimas companhias para o tédio, até porque eles raramente nos deixam no tédio.

(Meu cachorro, por exemplo, inventou agora de bater panela às 2 da manhã. Alguém claramente esqueceu de passar para ele os horários do panelaço.)

A verdade é: estamos com saudade daquela emoção dos playoffs, de que ainda não é possível prever o que vai acontecer nos jogos seguintes. Um pouco parecido com como estamos agora. 

Segundo Round

Nessa etapa, eu já estaria surtando. Como cobrir tantos jogos pelo amor de Deus? Já nem saberia mais se era Jogo 4 ou Jogo 5, cada confronto com uma história diferente, torcendo para o seu time ganhar logo os primeiros quatro jogos e ir descansado para a Final de Conferência.

Mas ao mesmo tempo, a tensão pela possibilidade deles descansarem demais e não terem o mesmo desempenho que fizeram até ali (Canes eu ainda estou triste). 

Chegando aqui, já saberíamos qual (ou quem) seria a “zoeira” dos Playoffs 2020, os jogadores que estariam se destacando e até mesmo aqueles que estreariam na pós-temporada.

Não sei vocês, mas depois de um ano de novatos a meu ver tão “pobre”, em que o Calder está mais do que decidido entre Quinn Hughes e Cale Makar, eu poderia assistir a novos talentos se destacando. Ou até mesmo a algum jogador veterano batendo outro recorde. Nesse ponto, qualquer coisa que envolva hockey eu já estaria feliz. 

Em vez disso, a gente está se estressando com essa máscara de insira aqui o material de sua escolha, que vamos falar a verdade: impossível respirar direito com esse troço. Se você é que nem eu e tem um tipo de alergia, começa a espirrar e todo mundo em volta acha que é o bonito do vírus e a gente tem que ficar: “não se preocupa, é insira aqui sua ite”.

Ainda assim, eu queria uma máscara com a cara do Gritty, ou até mesmo uma com o logo do meu time. Infelizmente não temos isso por aqui, mas usar a máscara é o mais importante nesse momento, viu galera?

Terceiro round – AKA Finais de Conferência

Com apenas quatro times na disputa, é a hora de começar as apostas de verdade. Seu bracket ou está inteiro, ou já foi ladeira abaixo por uma zebra que NINGUÉM pensou que aconteceria. Mas, independentemente disso, é a hora das apostas. Ou, se seu time ainda está na disputa, é a hora das promessas.

Quem aqui não prometeu ficar sem chocolate se o time ganhasse? Ou até mesmo disputou com um amigo que vestiria a jersey do rival em um cenário que você tinha certeza que não iria acontecer. 

A verdade é: nas Finais de Conferência só existem dois tipos de torcedores: aquele totalmente sem unhas de tanto passar nervoso rezando para seu time vencer, e aquele que está aqui apenas para ver o circo pegar fogo.

Todo mundo quer um Jogo 7 com duplo OT e um gol apenas nos últimos segundos. Já não importa mais a hora que você está dormindo, porque o importante é não perder nenhum tiro a gol.

Infelizmente os tweets do seu time não servem como atestado para faltar ao trabalho/escola. Mas tudo bem, playoffs só tem uma vez no ano, não é mesmo?

Porém, sem a Final de Conferência, sem escola para ir no dia seguinte e trabalhando de casa, dormir também não está sendo uma opção. Então aqui vão algumas tarefas que você pode fazer às 2 da manhã, sem sono e entediado: começar a ler uma série com no mínimo 17 livros; aprender sobre planejamento e tentar criar uma rotina que você sabe que vai dar errado na primeira semana; assistir a mais de 500 TikToks e dormir com o celular jogado na cama e “I’m Just a Kid” na cabeça.

Se você gosta de ser produtivo, por outro lado, é a hora de tirar da gaveta aquele projeto que você sempre quis fazer mas tinha outras prioridades. Ou melhor, no seu horário habitual ainda tem trabalho e outros compromissos, mas às 2 da manhã é um bom horário para começar a escrever um livro ou talvez fazer um roteiro para um podcast. 

Stanley Cup Final

Vamos ser sinceros, se você chegou até aqui, deve estar extremamente entediado ou então, como eu, resolveu tirar um tempo das obrigações que parecem se acumular mais ainda agora que “rotina” é apenas um conceito abstrato. 

Nesse ponto dos playoffs, as apostas estão em nível máximo. Apenas dois times restam na disputa, e a chance de seu time estar entre eles já é bem menor. Bom, eu falei que não iria usar o meu palpite aqui, mas como ainda acho que uma final Vegas x Flyers seria sensacional, vou usar esses dois times como modelo.

Nesse momento, você pode ser anti-Flyers, mas não exatamente pró-Vegas, ou ainda torcer para Philadelphia e ter simpatia pelo “caçula” da NHL. Eu confesso que seria a pessoa que só quer um Jogo 7 porque ainda não está pronta para dizer adeus ao hockey até outubro.

(Nesse momento as lágrimas escorrem ao pensar que estamos sem hockey desde março). 

O vencedor para nós aqui não importa muito, apenas queremos curtir os últimos segundo possíveis e, se ganharmos algum dinheiro (ou o que quer que seja a sua aposta – eu já apostei até fanfic), melhor ainda. 

Mas, infelizmente, não temos a Stanley Cup para apostar. Então, o que podemos fazer com essa saudade de hockey que não vai embora?

Podemos maratonar os vídeos do canal do NHeLas e colocar em dia aquele vídeo de fevereiro que você ainda não teve tempo de terminar de assistir.

(Aí você aproveita e já manda o link do canal para o amigo que te prometeu que esse ano começava a ver hockey mas que, sem playoffs, está se contentando apenas com a volta da Bundesliga).

Outra opção é ir ao nosso Twitter e votar do Big NHeLas Brasil, já que até sem reality show estamos agora.

Também podemos procurar algum livro de estatística ou história do hockey. Não é porque não temos novidade, que não podemos consumir o esporte. Eu estou lendo The Boys of Winter do Wayne Coffey e recomendo.

Se você é daqueles que gostam de videogame, sempre é possível organizar um campeonato de NHL20. Ou até mesmo chamar os amigos no Skype e jogar Gartic com tema de hockey. Boa sorte para vocês que vão tentar adivinhar que aquele traço oval esquisito que seu amigo vai desenhar na verdade é um puck.

Enfim, sabemos que a quarentena não está sendo fácil para ninguém. A NHL não confirmar se irá ou não cancelar está deixando todo mundo, incluindo os jogadores, aflitos.

O melhor que podemos fazer é ter paciência. Em breve tudo isso vai passar e nosso esporte estará de volta. Enquanto isso, já vamos pensando no que vocês contarão para seus filhos quando eles perguntarem porque não existe campeão da Stanley Cup de 2020. Eu vou dizer que os Blues roubaram a taça e, como não devolveram, tiveram que cancelar o hockey naquele ano. 

Foto: Reprodução https://se.stageright.com/project-gallery/t-mobile-arena/

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